Myriam Fraga ( homenagem)

Myriam Fragahomenagem a Myriam Fraga

Uma das maiores poetisas baianas de todos os tempos. Falar de Myrian Fraga (1937 – 2016)  é falar da poesia genuinamente feminina, baiana, brasileira… Sem dúvida a poetisa, biógrafa, escritora e jornalista elevou a poesia baiana, com ênfase na representação da mulher.  Pertencia a Academia Baiana de Letras e presidia a Fundação Casa de Jorge Amado.

Culturalmente, a Bahia ficou mais pobre com a perda de Myrian Fraga. Como a morte dela está recente( 15 de fevereiro), não iremos resumir nenhum livro, conforme a proposta do projeto para essa série de escritores baianos,   mas homenageá-la, divulgando duas poesias .da autora: “Maria Bonita” e  “Penélope”.

capa de livro de myriam fragaLeonídia

                        Maria bonita

Esta noite em Angico
A brisa é calma.
No silêncio farfalham
Minhas anáguas
Como farfalham asas
E no escuro minha carne
Cheira a mato.

&&
Vem meu amor e lavra
Este roçado
Como quem quebra
Um cântaro,
Como quem lava
A casa;
Águas frescas na tarde.

&&
Tuas limpas carícias,
Teus dedos como pássaros
E teu corpo que arde
Como estrelas
No espaço.

&&
Não quero tua candeia,
Só meus sonhos acesos
E eu te direi de nácar,
Terciopelo,
Coisas antigas, pelo de
Leoa; voz de cego na feira.

&&
Não quero teu braseiro,
Tua intensa
Cintilação que queima
Meus vestidos

&&
Só quero a tua volta,
Tua presença
Iluminando a noite
Que me cerca
Como uma luz acesa
No postigo.

&&
Que sabes de minha vida
Além da morte
Inquieta que me ronda?
Que sabes desta chita
Destes panos
Que envolvem minha nudez
Como uma chama?

&&
São teus olhos
Carvões que me devoram,
São teus beijos
Fosforescências de mel,
Travo forte das frutas.

&&
Teus dedos como setas
Apontam meu destino:
Meu caminho,
Na planta de teus pés;
Meu horizonte,
No risco de tuas mãos
E meus cabelos
Esparsos sobre a relva
Em que me habitas.

&&
Sou teu medo, teu sangue,
Sou teu sono,
Tua alpercata
De couro,
Teu olho cego, miragem
Dos vidros
Com que miras
A mira do mosquete.

&&
Sou teu sabre,
Facão com que degolas.
Sou o gosto do sal,
Veneno que espalharam
No prato.
Sou a colher de prata
Azinhavrada. Sou teu laço.

&&
Teu lenço
No pescoço.
Sou teu chapéu de couro
Constelado
Com estrelas de prata,
Sou a ponta
De teu punhal buscando
O peito dos macacos.
Sou teu braço,
A cartucheira cruzada
Sobre o peito,
sou teu leito
De angico e alecrim

&&
Sou a almofada
Em que deitas a face,
O cheiro agreste
Dos homens que mataste.
Sou a bainha
E a lâmina é meu resgate.

&&
Sou tua fera. Sussuarana
No escuro — bote e salto.
Jaguatirica acesa nestes altos
Mundéus de teu alarme.
Sou o parto
Da morte que te espreita.

&&
Sou teu guia
Tua estrela, teu rastro, tua corja.
Sou tua mãe que chora,
Sou tua filha. Teu cachorro fiel,
Tua égua parida.
Sou a roseta na carne,
O lombo nas esporas.

&&
Sou montaria e cavalo,
Fúria e faca.
Ferro em brasa na espádua
Sou teu gado,
Tua mulher, tua terra,
Tua alma,
Tua roça. Coivara
Que incendeias e apagas,
Tua casa.

&&
Areia no sapato.
Sou a rede
Aberta como um fruto,
Sou soluço. Fome escura
De poço. Sou a caça
Abatida. Lebre e gato,
Coisas quentes ao tato.

&&
Vem, meu dono, meu sócio,
Meu comparsa.
Desarma o teu cansaço,
Desata a cartucheira,
A noite é farta
Como besta no cio,

&&
A noite é vasta.
Vem devagar
E habita meu silêncio
Como se habita
Um claustro.

&&
Teus beijos como
Lâminas. Como espadas.
Pasto de aves meu corpo
Que trabalhas
Como quem corta e lavra.

&&
Desata a cartucheira,
Teu campo de batalha
Sou eu.
Por um momento
Esquece o que te mata
— Fúria e falta —
E enquanto a noite é calma
Vem e apaga
Na pele de meu peito
Esta fome sem data.
————————————————————————————————

myriam fraga poesia reunida

Penélope

Hoje desfiz o último ponto,
A trama do bordado.

&&
No palácio deserto ladra
O cão.

&&

Um sibilo de flechas
Devolve-me o passado.

&&
Com os olhos da memória
Vejo o arco
Que se encurva,
A força que o distende.

&&
Reconheço no silêncio
A paz que me faltava,
(No mármore da entrada
Agonizam os pretendentes).

&&
O ciclo está completo
A espera acabada.

&&
Quando Ulisses chegar
A sopa estará fria.
 Toque Poético 10.10

 

E aqui fechamos a série com as dez opções de leituras baianas. Espero que vocês tenham gostado.

 

Esse post foi publicado em Uncategorized. Bookmark o link permanente.

Deixe um comentário